por: Silvana Agostini*
A Filosofia Clínica surge, no final da década de 80, como resultado dos trabalhos e pesquisas do filósofo gaúcho Lúcio Packter, também médico psiquiatra e psicanalista. Segundo Packter, sua idéia inicial era estudar neurologia na Europa, mas seus estudos prosseguiram em outra direção. Buscou conhecer o que se denominava Filosofia de Aconselhamento ou Filosofia Prática, existente na Holanda, mas logo se desinteressou, segundo ele, pela natureza e orientação dos trabalhos. Ao retornar ao Brasil, Packter continuou suas pesquisas no sentido de verificar de que forma a Filosofia acadêmica poderia auxiliar nas questões humanas. Segundo ele, a Filosofia Clínica pode ser entendida como uma conseqüência no desenvolvimento do diálogo entre a medicina e a Filosofia.
A Filosofia Clínica é uma abordagem terapêutica que se fundamenta nas teorias filosóficas acadêmicas, tais como a Fenomenologia, a Analítica da Linguagem, entre outras. Uma abordagem que não trabalha com enquadramentos tipológicos, mas considera a pessoa em sua singularidade existencial, considerando seu contexto e sua história. A pessoa que procura o filósofo clínico é chamada de partilhante, é aquela que partilha sua história, suas vivências, sua trajetória existencial. Essa partilha acontece por meio da interseção, relação que se estabelece entre filósofo clínico e partilhante. O trabalho terapêutico se desenvolve em três etapas. No primeiro momento, o filósofo clínico busca conhecer a pessoa por ela mesma, através dos exames categoriais, que são exames iniciais cujo objetivo é o de localizar existencialmente a pessoa. Nessa etapa, o partilhante irá contar sua história de vida de forma ordenada, com um mínimo de interferência por parte do terapeuta. Obtém-se, então, o que em Filosofia Clínica chamamos de historicidade, que é a maneira como o partilhante significou suas vivências. Após essa etapa, o filósofo clínico é capaz de identificar os choques estruturais existentes ou problematizados que estão causando mal-estar ao partilhante, isso se dá pela observação da relação entre os tópicos determinantes da Estrutura de Pensamento do mesmo. Em seguida, o filósofo clínico busca junto à pessoa desconstruir ou amenizar tais choques através dos procedimentos clínicos, também chamados submodos, que são maneiras como a pessoa age informalmente viabilizando as resultantes de sua EP. Dessa forma, ocorrem encaminhamentos no sentido de acomodar as demandas existenciais do partilhante em meio a seu contexto. A Filosofia Clínica não trabalha somente os aspectos comportamentais em relação às questões trazidas pelo partilhante, mas também os aspectos axiológicos, epistemológicos, éticos, entre outros, que são aspectos próprios da Filosofia. Não há em Filosofia Clínica conceitos como normalidade e patologia. A Filosofia Clínica não considera a doença, pois que não busca a cura, mas o cuidar do outro em sua singular existência. Essas são algumas características que a diferenciam de outras abordagens. O filósofo clínico é o profissional formado em Filosofia por instituições reconhecidas pelo MEC, com Curso de Especialização em Filosofia Clínica (duração de dois anos mais estágios supervisionados) oferecido pelo Instituto Packter. Profissionais de outras áreas, como da Educação e da Saúde, por exemplo, também podem fazer o curso e utilizar o instrumental metodológico da Filosofia Clínica em sua atuação profissional, mas não serão habilitados a clinicar. Em 2008, foi fundada a ANFIC - Associação Nacional de Filósofos Clínicos - uma associação profissional que tem como objetivo organizar e regulamentar a atuação dos filósofos clínicos e especialistas em Filosofia Clínica. Para mais informações, consulte: http://www.anfic.org.br/ . *Silvana Cantelmo Agostini é Especialista em Filosofia Clínica, professora adjunta em São João del-Rei/MG e membro da Diretoria da ANFIC - 2010/2012.